Um dos setores mais agressivos na digitalização dos pagamentos no Brasil é dos adquirentes, responsáveis pelas famosas maquininhas que processam débito e crédito. As maiores estão ligadas a bancos tradicionais: a Cielo, controlada por Bradesco e Banco do Brasil, que transacionou 614 bilhões de reais em 2017; a Rede, do Itaú, que transacionou 392 bilhões; e a GetNet, do Santander, com 142 bilhões de reais transacionados. A elas somou-se, nos últimos anos, um grupo de novatas lideradas pela Stone, com 48 bilhões transacionados, e pela PagSeguro, com 38 bilhões de reais. As duas têm capital aberto nos Estados Unidos. Todas elas detêm mais de 8 milhões de maquininhas instaladas no país.

“Nossa estratégia é sermos agressivos quanto for necessário para estar na liderança de todos os segmentos do mercado”, diz Paulo Caffarelli, que deixou a presidência do Banco do Brasil em outubro para comandar as mudanças na Cielo. As adquirentes são as principais responsáveis pela propagação dos pagamentos com cartões e também estão entre as que mais investem na digitalização dos pagamentos. Os terminais tendem a se tornar um ponto de digitalização do varejo. A dúvida é se há espaço para muito mais maquininhas no Brasil. Hoje, são 24,7 terminais para cada 1 000 habitantes. Isso é menos do que os 39 da Austrália, mas muito mais do que os 12 da Rússia ou os 7 do México.

“A disseminação das maquininhas é um processo necessário para ampliar o acesso ao mercado de cartões. Mas, em breve, essa corrida será atropelada pelos meios de pagamentos digitais”, diz Marcos Gouvêa, diretor executivo da consultoria de varejo Gouvêa de Souza. Só no Banco do Brasil foram 3 milhões de transações com cartões virtuais, em seu aplicativo, de janeiro a setembro. O número de transações em carteiras virtuais, como Samsung Pay, Apple Pay e Google Pay, cresceu 770% entre os cartões Mastercard de janeiro a outubro, contabilizando 780 000 no ano.

Deixar de lado o papel-moeda reduz custos, dificulta a corrupção, desencoraja a economia informal, facilita a cobrança e a arrecadação de impostos. Os cartões e as carteiras digitais facilitam a contratação de serviços simples, como motoboys, recarga de smartphones pré-pagos, compra de bilhetes de ônibus, pagamento de contas e transferência de dinheiro para amigos e parentes. E, fundamental em países como o Brasil, limitam a violência. Um carro-forte é roubado no país a cada três dias e o prejuízo com notas falsas chega a 36 milhões de reais ao ano. Em 2017, o Banco Central gastou 800 milhões para administrar, produzir, guardar, distribuir e destruir notas e moedas. É uma revolução impulsionada pelos smartphones — nos últimos dez anos, 76 milhões de brasileiros passaram a ter acesso à internet.

A possibilidade de driblar a burocracia e a violência faz com que contas digitais cresçam impulsionadas tanto por mudanças de hábito da população quanto por incentivo dos governos. Elas encontraram terreno fértil no Quênia (onde já têm 35 milhões de usuários) ou entre as mulheres paquistanesas (8 milhões usam contas digitais). Singapura está lançando uma base nacional de códigos QR.

Os bancos centrais do Japão e da Austrália, por sua vez, expandiram o horário oficial de transações digitais para se adaptar à nova realidade dos mercados. Na Dinamarca, a carteira digital do Danske Bank, lançada em 2013, é o segundo aplicativo mais popular, atrás apenas da rede social Facebook. Na Índia, por uma iniciativa do próprio governo, 750 milhões de cidadãos foram digitalizados nos últimos anos. Ganharam uma identificação única, tiveram as impressões digitais e a íris escanea­das e hoje podem fazer compras pelo celular. No Brasil, o Banco Central colocou em audiência pública, no início de novembro, o tema dos pagamentos instantâ­neos, que prevê transferências a qualquer hora por um custo menor, substituindo, por exemplo, as transferências bancárias por TED e DOC, hoje até as 17 horas. Essa é a base para o pagamento direto entre pessoas (conhecido como P2P). “Nosso papel é facilitar a incorporação da inovação para tornar o mercado mais eficiente e competitivo, mas sempre observando a estabilidade financeira e a integridade do sistema”, diz Otávio Damaso, diretor de Regulação do Banco Central do Brasil.

As carteiras digitais servem de porta de entrada para uma economia de mão dupla, com milhões de pessoas oferecendo produtos e serviços online. Segundo a empresa de pesquisas Locomotiva, 48 milhões de brasileiros já venderam algum produto ou serviço pela internet. Impulsionadas pela crise econômica, empresas nascidas nos últimos anos arregimentaram grandes contingentes de prestadores de serviços: a empresa de entregas iFood tem 120 000 entregadores no Brasil; o aplicativo de transportes Uber, mais de 500.000 motoristas. Para essas plataformas, há uma oportunidade de oferecer serviços financeiros tanto para seus clientes quanto para seus parceiros. É o que tem feito o Mercado Livre, que agora permite aos parceiros pagar salários a seus funcionários dentro de seu aplicativo — são 10 milhões de vendedores cadastrados na América Latina.

“Começaremos com os vendedores, depois vamos mirar os clientes para só então ir ao mar aberto”, diz Tulio Oliveira, diretor do Mercado Pago. O iFood também começou pelos restaurantes, oferecendo consultoria de gestão financeira e logística, mas lançou neste ano uma máquina própria de cartão (são mais de 5 000 em circulação). A empresa lançou neste ano novos planos de antecipação de recebimento para restaurantes, em sete e 30 dias. De 2010 para cá, os pagamentos online pela plataforma cresceram de 10% do volume total de pedidos para metade deles. “Acreditamos que o futuro esteja na integração dos serviços em uma carteira única. O pagamento é um pilar estratégico de crescimento e investimento”, diz Daniel Coifman Bergman, diretor de pagamentos da Movile, dona do iFood.

Leia a matéria na íntegra em: Exame

Leave a comment

O seu endereço de e-mail não será publicado.

PortugueseEnglishSpanish