Nas ruas do centro de Xangai, na China, é comum ver dezenas de ciclistas e motoqueiros com mochilas de entrega ultrapassando a faixa de pedestres e furando o sinal. A pressa é para entregar aos milhares de clientes chineses os pedidos que fizeram por aplicativos de restaurantes, supermercados ou lojas diversas. A facilidade de pedir e pagar em menos de um minuto levou a uma acirrada disputa do varejo chinês pelo cliente. Quem oferecer o melhor serviço, mais barato e customizado ao gosto do freguês, sai na frente.

Uma das redes varejistas que têm chamado a atenção é a Hema, supermercados do grupo Alibaba. Algumas de suas lojas em Xangai dão a opção do cliente levar na hora o produto, escolher na loja e receber em casa, comprar pela internet ou ainda um misto de tudo. Quem ainda quiser consumir ali mesmo, também pode. O restaurante, um conceito novo introduzido em algumas lojas, funciona com o serviço de robô no lugar de garçons, que levam os pratos dos cozinheiros à mesa do cliente por esteiras.

Mas, a Hema não é apenas um supermercado com um bom serviço de entrega. É um novo conceito de loja que integra muito bem operações online e off-line, a começar pela consulta de preço. As etiquetas dos produtos, eletrônicas, atualizam os preços em tempo real e possuem um código QR que, quando escaneado pelo celular, traz informações sobre o preço, origem do produto, data em que chegou à loja, certificado de aprovação do fornecedor pelo governo chinês e ainda notas de revisões de consumidores, além de opções de entrega.

Os pedidos feitos por celular chegam aos funcionários que tiram das prateleiras e colocam em uma bolsa que vai, por uma esteira aérea, até a área nos fundos da loja, para ser entrega aos motoqueiros e ciclistas. No raio de 3 quilômetros, a entrega é gratuita. Como a maioria dos clientes paga em terminais eletrônicos e diretamente pelo aplicativo da loja ou pelas carteiras virtuais do Alipay ou Taobao, ambas do mesmo grupo, Ant Financial, boa parte dos funcionários foca em repor as prateleiras e coletar os pedidos que chegam da internet.

E não são só produtos de limpeza, biscoitos e refrigerantes que enchem as cestas dos clientes. A proposta da Hema é oferecer produtos frescos todos os dias, uma estratégia para aumentar a recorrência e fidelizar o cliente. É possível, por exemplo, escolher uma lagosta viva em um dos tanques dentro da loja e mandar prepará-la para o jantar.

Fundada em 2015, a Hema abriu sua primeira loja em 2016 e hoje opera 65 lojas na China. Nem todas oferecem o serviço completo de inovações, mas estão interligadas em sistemas únicos de compra, logística, pagamento e distribuição, o que possibilita que o cliente escolha como consumir. “A loja física da Hema é a ponta do iceberg de um ecossistema inteligente de negócios. O papel da loja muda, perde relevância e vira um centro de distribuição”, diz Marcos Gouvêa, diretor executivo da consultoria de varejo Gouvêa de Souza.

Como toda boa ideia, o modelo já está sendo copiado por outro grupo chinês, o JD.com, segundo maior e-commerce do país. Lançada em janeiro de 2018 na cidade de Beijing a primeira loja 7Fresh, com 4 000 metros quadrados, que tem até carrinhos inteligentes que guiam os clientes às prateleiras que eles desejam. A proposta é a mesma: disponibilizar para compra na loja física ou delivery produtos frescos, como peixes e frutas importadas.

Em setembro fechou contrato com 16 grupos de incorporação imobiliária para abrir 1000 novas lojas em até cinco anos. Além da Hema, a 7Fresh vai competir também com outro grande grupo chinês, a Tencent. Em maio, ele lançou em Xangai o supermercado inteligente Le Marché, uma parceria com a rede de supermercado francesa Carrefour.

A grande vantagem dessas operações, na visão de consultores, a possibilidade do uso dos dados para entender o que cada cliente quer e traçar estratégias para vender mais. Um mestre nesta tarefa, a Amazon, também já viu potencial no varejo físico. Em junho de 2017 comprou por 13,7 bilhões de dólares a rede de mercados Whole Foods. Nos Estados Unidos, já testa operações tecnológica de varejo com as lojas Amazon Go, em que o cliente faz um check in no aplicativo quando entra no estabelecimento, coloca o que quiser no carrinho e sai sem passar por nenhum caixa, nem eletrônico nem com atendente humano.

“Esses formatos permitem que se crie um big data importante. As redes entendem como o cliente compra, o que coloca e tira do carrinho, o que manda entregar e esse volume de dados, usado por uma inteligência artificial, torna a experiência do cliente tão incrível que ele não vê necessidade de comprar em outro lugar”, diz Ana Paula Tozzi, presidente da da AGR Consultores, consultoria especializada em varejo.

Ambos os países – China e Estados Unidos – são líderes mundiais em comércio eletrônico, com vendas acima de 1 trilhão de dólares pela internet. Isso facilita e muito o crescimento de operações como estas. Os meios de pagamento digitais também são mais disseminados. No Brasil, apenas 5% do varejo é online, apesar do crescimento ano a ano. Na China, chega a 25% e Estados Unidos, beira a 10%. Além da barreira cultural, há também a questão financeira.

Tecnologias como as embarcadas na Amazon Go ou Hema são ainda caras e, portanto, os investimentos são altos. Há o problema de entrega. O Brasil não é reconhecidamente um país com uma boa logística. Apenas agora, com a expansão de aplicativos de entrega como iFood, Rappi, Glove e Loggi, por exemplo, as grandes cidades começam a ter serviços de delivery de quase tudo que quiserem. Mesmo as farmácias, que já enxergaram um valor na compra pela internet, ainda patinam na questão da entrega, cara e nem sempre rápida.

Independente das dificuldades e da velocidade com que as transformações aconteçam, operações como a da Hema, Amazon Go e 7-Fresh mostram que quem não focar em atender as necessidades de seus clientes, corre o risco de ficar para trás.

Leia a matéria original em: Exame

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