Nem batom nem perfume. A venda porta a porta entrou na mira das empresas de alimentos. O segmento ainda abocanha tímidos 4% do faturamento do setor de venda direta no Brasil, de R$ 45 bilhões.

Fabricantes de iogurte e chocolate já exploram um modelo de venda ancorado principalmente em revendedores de baixa renda. Criam oportunidade de emprego em comunidades, fomentam uma nova base de clientes e ganham acesso a hábitos de consumo.

A Danone traz seu projeto Kiteiras ao Rio em setembro. As atuais cinco mil revendedoras de kits de produtos da marca de lácteos atuam em 13 cidades de quatro estados. Em Salvador, onde o programa começou em 2011, elas já respondem por 15% das vendas. Em 2018, 2,13 mil toneladas de produtos Danone foram vendidos nas comunidades de baixa renda. No total, o modelo de venda porta a porta comercializou 7,3 mil toneladas de produtos — o equivalente a R$ 13 milhões em vendas.

— É venda direta via catálogo, com kits que custam de R$ 19 a R$ 150. Ela casa a capacitação e a oportunidade de geração de renda de mulheres dessas comunidades, que ficam com 30% do valor da venda, em parceria com um distribuidor local — diz Ligia Camargo, diretora de Sustentabilidade da Danone.

No Estado do Rio, o programa vai começar por municípios da Região Metropolitana, que vão desde Niterói, em comunidades como a do Cavalão, passando por Jardim Catarina e Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, até chegar a Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense.

diversificação de canais

Sonia Maria Porciano, de 67 anos, moradora de Itaquera, Zona Leste de São Paulo, revende várias marcas há 18 anos. Em 2016, entrou para o Kiteiras, ao saber do programa pela distribuidora na qual já buscava itens da Danone.

— Com a renda do meu trabalho, pago a prestação do apartamento, consegui comprar meu carro. Trabalho no mesmo lugar onde moro, três dias por semana. Quando não passo, os clientes vão até minha casa — conta ela.

Para Adriana Colloca, presidente executiva da Associação Brasileira de Empresas de Venda Direta (Abved), a tendência é esse tipo de venda crescer na área de alimentos:

— As empresas do varejo querem estar presentes no máximo de canais para chegar ao máximo de consumidores. No Brasil, a venda de alimentos porta a porta ainda é pequena, mas é crescente o interesse dessas companhias.

Especialista em varejo da GS&Consult, Alexandre Machado observa que a venda direta no segmento de alimentos ajuda a fortalecer a marca junto à clientela e pode levar produtos a consumidores que não os comprariam sem a intermediação de uma revendedora, mas traz desafios:

— As categorias ainda pouco colocadas pedem maior investimento na rede de revendedores. É preciso contar com logística adequada para que os alimentos perecíveis sejam conservados. E a logística esbarra em gargalos de segurança em diversas áreas. Sem contar a inadimplência, que afeta diretamente o revendedor.

A Danone costura uma parceria com a Whirlpool — dona das marcas Consul e Brastemp — para que as kiteiras tenham desconto na compra de geladeiras, destaca Ligia:

— Nas comunidades, contamos com a parceria do distribuidor local e de ONGs ligadas a empreendedorismo social, sem intermediação de tráfico ou milícia.

Moradora de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, Lidiane Amaral, de 37 anos, trabalha como analista de planejamento. Há pouco mais de um ano, passou a complementar renda revendendo chocolates da Cacau Show:

— Comecei para me distrair, numa fase difícil, e ter uma renda extra. Hoje, além de contar com uma rede de clientes, consigo pagar parte das minhas contas, acertar dívidas, passear com os meus filhos, e descobri uma nova paixão: vender e lidar com pessoas — diz ela, que tira perto de R$ 600 por mês dos produtos.

A Cacau Show nasceu em 1988 justamente da venda porta a porta. Com o avanço em lojas físicas — hoje são 2.250 — e a criação de franquias, a venda direta perdeu força, mas foi retomada em 2015.

— São 52 mil revendedoras, que atuam em parceria com nossos franqueados e respondem por 5% do faturamento. A meta é ficar entre 15% e 20% em cinco anos — conta Daniel Roque, diretor de Expansão e Canais da rede.

A empresa não vende a prazo nem aceita cheque, mas avança em tecnologias financeiras para diversificar meios de pagamento. Lançou este ano o Cacau Pay, que já permite a 300 revendedores de maquininha na mão aceitar cartão, permitindo o parcelamento dos clientes.

A japonesa Yakult é uma pioneira nessa atividade: tem porta a porta no Brasil desde 1968, quando abriu por aqui sua primeira fábrica. E continua a ter produtos retirados em filiais por revendedoras equipadas com carrinhos refrigerados.

— Temos aproximadamente 5 mil comerciantes autônomas. As três versões de leite fermentado são os produtos mais vendidos domiciliarmente, representando cerca de 40% do que vendemos no Brasil — diz Atsushi Nemoto, diretor-presidente da Yakult Brasil. Colaborou Amanda Pinheiro, estagiária sob supervisão de Alexandre Rodrigues.

Leia a matéria original em: O Globo

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