Midas, rei da Frígia, figura popular da mitologia grega, era conhecido por transformar em ouro tudo aquilo em que tocava. Mais do que uma dádiva, o toque de Midas também era uma maldição. No mundo dos negócios, são poucos os empresários que ficaram conhecidos por ter esse talento. O carioca José Isaac Peres, de 79 anos, é um deles. O sócio fundador e CEO da Multiplan detém, em seu longevo e apreciável currículo, mais de 300 edifícios e 21 shoppings centers erguidos em diversos países. “Provavelmente, eu sou o empresário mais antigo do real estate brasileiro”, diz ele, que está investindo mais de US$ 200 milhões na construção de um luxuoso condomínio residencial à beira-mar em Miami, nos Estados Unidos. Aqui, Peres ficou conhecido por antecipar vetores de crescimento urbano e levar para áreas inóspitas um modelo comercial ainda incipiente durante os anos 1970. “Peres é uma pessoa extremamente estratégica”, diz Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da consultoria GS&Malls. “Quando ele inaugurou o BH Shopping, em 1975, a região do Belvedere era deserta. Era um nada na beira da estrada. Hoje, é uma das áreas mais valorizadas de Belo Horizonte.”

À frente da Multiplan desde sua fundação, em 1975, o empresário não se vê longe do dia a dia da empresa e acompanha de perto os projetos em andamento, como a construção do ParkShopping Jacarepaguá, que será o 20º da companhia. O complexo comercial terá uma área locável de 39 mil metros quadrados (m²), além de uma pista fixa de patinação no gelo e centro de eventos multiuso. O empreendimento, orçado em R$ 550 milhões, tem inauguração programada para maio de 2020. Estão previstas no projeto áreas arborizadas, praças e locais a céu aberto. “O shopping é uma grande gruta moderna. Agora, eu estou abrindo mais espaços verdes, porque é um desejo das pessoas hoje em dia”, comenta. Mesmo os shoppings mais antigos estão recebendo investimentos para se adequarem ao novo padrão da companhia. Em abril de 2018, a Multiplan entregou a Praça Sol Peres à Prefeitura de São Paulo. Trata-se da revitalização de uma área abandonada com 8,6 mil m², que fica à frente do MorumbiShopping. Ao todo, a empresa já transformou 118,6 mil m² de áreas mortas em espaços verdes. A região onde está localizado o MorumbiShopping também recebeu uma praça que liga o complexo comercial à entrada do Morumbi Corporate, edifício também gerido pela Multiplan.

A construção de shoppings de alto padrão não é a única marca da empresa. Desde os anos 1990, alguns complexos contam com diversos tipos de serviços para atrair as pessoas, como centros médicos e espaços veterinários. “Peres não gostava de ir ao dentista quando era criança. Para que ele aceitasse ir, sua mãe lhe oferecia um doce como recompensa. Foi aí que ele entendeu que a dor e o prazer são duas faces da mesma moeda. Por isso, resolveu abrir espaços médicos ligados a shoppings”, diz Vander Giordano, vice-presidente institucional da Multiplan. A empresa já investiu R$ 478 milhões em modernizações neste ano, ultrapassando em 57% todo o capital investido em 2018.

A receita bruta da empresa no segundo trimestre de 2019 foi de R$ 357,7 milhões, avanço de 5,9% com relação a igual período do ano anterior. Os bons resultados são refletidos nos papéis da empresa listados no índice Bovespa. De janeiro a 8 de agosto, a valorização havia sido de 13,5%. Algo que pode vir a preocupar os acionistas, no entanto, é a ausência de um plano de sucessão, já que Peres é conhecido por sua gestão centralizadora. “Ele ser o controlador, conselheiro e presidente executivo da empresa não é bom quando nós falamos em princípios da boa governança”, diz Luiz Marcatti, CEO da consultoria Mesa Corporate Governance.

Depois de um período de aportes travados, o mercado de shopping centers viu movimentações importantes nas últimas semanas. Em junho, a Aliansce Shopping Centers e a Sonae Sierra confirmaram a fusão que deu origem à maior empresa do setor, com um portfólio diversificado de 40 complexos comerciais, em 12 estados e no Distrito Federal, e cerca de 7 mil lojistas. Enquanto isso, a BRMalls se desfaz de várias operações. A empresa anunciou a venda de sete empreendimentos ao fundo de investimento imobiliário do BTG Pactual. Segundo Glauco Humai, presidente da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), o fortalecimento do setor é algo que está se desenhando pouco a pouco. “A consolidação das operações vai gerar maior capilaridade e aumento da área bruta locável. É um movimento que faz com que o setor ganhe maior destaque no varejo”, diz Humai. Segundo a entidade, os 563 shopping centers do Brasil movimentam R$ 178,7 bilhões ao ano.

TRAJETÓRIA INOVADORA Falar com Peres é revisitar a História recente do Brasil. Antes de investir no setor de shopping centers, o empresário era um estudante prodígio de economia na Universidade Brasil. Aos 22 anos, fundou, com um amigo baladeiro, a incorporadora e promotora de vendas de imóveis Veplan. Enquanto os brasileiros se polarizavam entre a “ameaça comunista” e o apoio aos militares, Peres trabalhava para não ver seu negócio desmoronar. Lançou o edifício Duque de Rezende, no centro do Rio de Janeiro, em 1963. “Todo mundo dizia que eu era louco, que os ‘pelegos’ iam tomar o poder. Mas eu não tinha alternativa. Precisava aproveitar a oportunidade”, conta o empresário.

O lançamento foi um sucesso e norteou o crescimento da Veplan entre 1963 e 1971, ano em que o empresário foi à Bolsa de Valores do Rio de Janeiro para abrir o capital. Em dois meses, as ações da empresa tiveram um avanço de 500%. Por causa de conflitos com o governador da Guanabara, antigo Distrito Federal, Peres decidiu “não colocar mais todos os ovos no mesmo saco”. Resolveu investir em São Paulo, onde foi um dos principais responsáveis pela criação do Shopping Ibirapuera. “A minha ideia era vender a antipoluição no estado. Só se falava de poluição em São Paulo. Então, eu comecei a lançar projetos que valorizassem as áreas verdes”, diz Peres. Por discordar dos planos para o futuro da empresa, ele decidiu vender a sua participação e lançar um novo projeto. Foi aí que nasceu a Multiplan.

Dono de uma fortuna avaliada em US$ 1,5 bilhão, segundo a revista americana Forbes, Peres não demorou a se tornar uma figura influente no meio político e financeiro. Certa vez, no fim dos anos 1980, encontrou Fernando Collor, recém-eleito presidente do Brasil, na sauna de um hotel parisiense. Collor compartilhou com Peres aquele que seria seu maior desafio no Planalto: “O que você faria para acabar com a inflação?”, questionou. A cifra herdada do governo Sarney, medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), chegava a exorbitantes 1.972,91%. Economista de formação, Peres o aconselhou: “Eu disse para ele fechar a Casa da Moeda. Não dava para continuar emitindo dinheiro na hora em que quisesse. Dessa forma, a inflação nunca iria acabar”, lembra.

Em 16 de março de 1990, segundo dia de governo de Collor, o então presidente anunciou o confisco às cadernetas de poupança de todos os brasileiros. “Um ex-sócio, o Julio Bozano, veio me dizer que eu era o culpado por ele ter feito aquilo. Mas eu só disse para ele fechar a Casa da Moeda. Vai ver ele entendeu diferente”, brinca o executivo. Se não é um bom conselheiro, Peres é mesmo um construtor de mãos cheias.

Leia a matéria na íntegra em: IstoÉ Dinheiro

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