Para achar um brasileiro com motivos para estar feliz, basta ir à Rua Amazonas da Silva, número 27, na Vila Guilherme, zona norte de São Paulo. Lá você encontrará, possivelmente de calça jeans e camisa azul-clara, o empresário Frederico Trajano, herdeiro de um dos maiores fenômenos recentes do capitalismo brasileiro, a varejista Magazine Luiza. Dezenove anos após começar a trabalhar na empresa e três depois de assumir a presidência, Trajano vê dar frutos a estratégia de transformar a empresa criada por sua família em 1957 em Franca, no interior de São Paulo, em um negócio digital.

Comparando o primeiro trimestre de 2019 ao mesmo período de 2016, as receitas subiram 111%, para 5,7 bilhões de reais, e o lucro multiplicou por 26, atingindo 139  milhões. Em três anos e meio, o valor de mercado da companhia foi multiplicado por 100, para 40 bilhões de reais, com investidores entusiasmados com o fato de 41% das vendas já virem da internet. Trajano tem o desafio de continuar a melhorar o desempenho operacional prometido aos investidores que embarcaram em seus sonhos. Além disso, precisa vender novos sonhos para continuar impulsionando as receitas — e atrair novos acionistas. “Chegou a hora de radicalizar nosso crescimento. Digitalizamos o Magalu e queremos digitalizar o Brasil, levando a muitos o que é privilégio de poucos”, diz Trajano.

De vendedor de eletroeletrônicos e móveis em lojas físicas e virtuais, o Magazine Luiza investe para ser um provedor de tecnologia e serviços de logística e finanças para conectar o consumidor a pequenos e médios comerciantes dos mais diversos segmentos. Um passo decisivo nesse caminho para virar uma plataforma de serviços foi dado em junho com a compra, por 115 milhões de dólares, da loja eletrônica de artigos esportivos Netshoes (que controla também a Zattini, de moda), fundada há 19 anos em São Paulo pelo empreendedor Marcio Kumruian.

Trajano prepara a terceira revolução do Magazine Luiza (ou Magalu, sua marca digital). A primeira começou em 2000, quando ele chegou para criar o braço de comércio eletrônico da varejista que nem sequer tinha lojas na capital paulista. A segunda veio com sua chegada à presidência, em 2016, com foco na integração das lojas físicas e online. É um processo ainda em andamento. O Magazine Luiza quer utilizar suas 959 lojas físicas espalhadas por 16 estados como minicentros de distribuição de mercadorias. Mais de 20 já estão direcionando os itens do estoque local para entrega aos consumidores das redondezas e 855 permitem que o cliente retire nos pontos físicos o que adquiriu pela internet.

Desse modo, consegue solucionar um dos grandes problemas das empresas de varejo virtual no Brasil: a dependência dos Correios, com preços altos e prazo de entrega longo. Completando a malha logística, o Magazine Luiza desenvolveu um sistema de parcerias com mais de 2.000 motoristas de caminhão para distribuir os produtos nas lojas e entregar em domicílio aos consumidores. Em São Paulo e Belo Horizonte, 95% dos produtos já chegam ao cliente em menos de 24 horas. No restante do Brasil, a parcela de pedidos entregues em 48 horas subiu de 1% para mais de 30%.

Para seguir diminuindo os prazos, o Magazine Luiza comprou em maio de 2018 a startup de sistemas de entregas Logbee, então fornecedora do grupo e especializada em itens pequenos. “Onde existem lojas físicas, o desempenho do comércio eletrônico é melhor, pelo marketing, pela confiança que desperta e pela comodidade da retirada”, diz Decio Sonohara, diretor de logística do grupo. Para que esse arranjo funcionasse, foi necessário eliminar o receio que os vendedores das lojas físicas tinham em relação ao comércio eletrônico. Agora os vendedores mostram o catálogo de produtos em seu celular, com a impressão da nota fiscal ali mesmo, gerando ganho de produtividade. O tempo médio da venda caiu de 40 para 4 minutos, e as vendas nas lojas físicas cresceram 26% em 2018. No mesmo período, as vendas da concorrente Via Varejo, dona da Casas Bahia e do Ponto Frio, cresceram menos de 4% em lojas físicas.

A nova revolução tem como objetivo fazer o aplicativo do Magazine Luiza, que teve 33 milhões de downloads, um dos destinos preferidos dos brasileiros na hora de comprar ou vender qualquer coisa. O mote publicitário está no ar desde o início do ano: “Tem no Magalu”. Espaço para crescer não falta. Do total das vendas do varejo no país, que somaram 1,3 trilhão de reais em 2018, apenas 4% foram feitas pela internet, segundo dados da consultoria de pesquisa e certificação de comércio eletrônico Ebit/Nielsen. A média mundial é de 12%, enquanto na China chega a 35%. Em outros lugares do mundo, o consumidor tem o hábito de comprar pela internet uma variedade maior de itens. Enquanto no Brasil apenas 20% das compras de eletroeletrônicos são realizadas virtualmente, na China essa fatia é de 44%.

Os números brasileiros continuarão crescendo, nos mais variados nichos, e Frederico Trajano acredita que precisa manter um crescimento chinês para ficar cada vez mais na memória dos consumidores. “O brasileiro não vai instalar no celular os aplicativos de 20 varejistas. Mas ainda não temos um líder inconteste do e-commerce nacional. Estamos na corrida para ver quem vai conseguir”, diz Ana Szasz, diretora da Ebit/Nielsen.

Para chegar ao futuro esperado, o Magazine Luiza leva a cabo uma série de ações no presente. A fim de elevar a oferta de produtos, deixou de ser o único vendedor de seu canal de comércio eletrônico e passou a adicionar outros comerciantes de itens variados, criando um marketplace — depois de avançar 244% no primeiro trimestre do ano, a plataforma chegou a 7,6% das vendas totais da varejista. A oportunidade de adquirir a Netshoes e o relacionamento com seus 6 milhões de clientes ativos vieram na hora certa para aumentar o engajamento dos 18 milhões de consumidores do Magazine Luiza. Apesar de seus problemas financeiros, a Netshoes vende produtos que estimulam a compra recorrente.

Com a Netshoes, a frequência média de compra do consumidor do grupo Magazine Luiza deverá passar de três para oito vezes ao ano, porque é preciso voltar mais à loja para comprar camisetas e sapatos do que para adquirir geladeiras e telefones celulares. Daí a importância da diversificação. O Magazine Luiza já tinha comprado a loja online de cosméticos Época em 2013 e, em abril, passou a vender livros, produtos que são a âncora da concorrente americana Amazon e do Submarino, controlado pela brasileira B2W. “O Magalu ganha com o banco de dados da Netshoes e por conseguir entrar em novas categorias, enquanto a Netshoes pode se beneficiar de novos pontos de venda”, diz Alexandre van Beeck, especialista em varejo da consultoria Gouvêa de Souza.

Leia a matéria na íntegra em: Exame

 

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