Designers, formadores de opinião e até mesmo uma parcela significativa dos consumidores, especialmente das gerações Y (Millenials) e Z (hipercognitivos), já sabem que a moda tem um papel importante para a construção de uma indústria ética e sustentável. Porém, devido à complexidade da produção têxtil, que envolve processos interligados em uma longa cadeia que vai da fibra ao vestuário, a conscientização socioambiental no setor deverá acontecer de forma lenta e gradativa. “Precisamos desenvolver um universo sustentável, pois os recursos naturais são finitos, todavia não será uma tarefa imediata. Mas, precisamos começar já”, destacou Edmundo Lima, diretor executivo da Abvetex – Associação Brasileira do Varejo Têxtil, durante debate sobre mercado de moda na Latam Retail Show, realizada de 28 a 30 de agosto, no Expo Center Norte, São Paulo.

O evento reuniu seis dos 35 integrantes do grupo de líderes que participam do Laboratório de Moda Sustentável, parceria que envolve a Abvetex, OIT (Organização Internacional do Trabalho), Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), Instituto C&A entre outros participantes. O objetivo é discutir questões que afetam a produção têxtil/vestuário no Brasil e no mundo por meio de oficinas de cocriação e ações conjuntas para que a sustentabilidade seja reverberada por toda a cadeia têxtil.

Questões como informalidade no comércio, condições de trabalho análogo à escravidão, poluição ambiental e gestão eficiente dos negócios estão entre as discussões permanentes neste grupo que está pensando a moda para os próximos 10 anos. A inciativa brasileira, que reúne representantes de marcas varejistas, associações setoriais, indústrias, sindicatos de trabalhadores, setor público, acadêmicos e sociedade civil, está em consonância com a Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável.

A moderadora do encontro, Giuliana Ortega, do Instituto C&A, destacou que o Laboratório completou 18 meses e que a ideia é ser um microcosmo  para pensar a diversidade a as implicações que a agenda ambiental provocará na cadeia de valor.  “Trata-se de uma plataforma de colaboração e inovação com um único objetivo: tornar a indústria da moda amiga do planeta. Para isso, o caminho é discutir junto com empresários e trabalhadores  para que possamos nos adequar aos objetivos acordados pelo Brasil internacionalmente”, enfatiza Giuliana, explicando que o grupo está trabalhando em seis inciativas: educação, trabalho e desigualdade, cultura de consumo, modelo de negócio, ciclo de vida do produto e políticas públicas.

Cases do Laboratório

Como os atores da moda enxergam o futuro desta indústria, em um país de dimensões e contrastes como o Brasil? A esta provocação Amelia Malheiros, da Fundação Hering, responde com otimismo. “Neste grupo, a costureira e o industrial trabalham juntos para construção de um cenário transformador”. Segundo ela, a Fundação milita na moda há 83 anos e a marca, uma das mais longevas da indústria têxtil brasileira, com 138 anos de existência, foi pioneira na redução de impactos ambientais com gestão de resíduos. “Hoje, vivemos o dilema do plástico nas nossas vidas, e a indústria têxtil trabalha com fibras químicas. O desafio é tornar esta produção a mais sustentável possível”, completa.

André Carvalhal, da marca de moda colaborativa AHLMA.CC. relata: “Quando comecei a questionar o consumo do fast fashion, veio o start de que era  hora de mudar para o sustentável dentro da moda. Foi um processo instigante. Hoje somos uma marca que milita na conscientização do próprio consumidor, pois é nossa responsabilidade liderar a mudança”. Fernanda Simon, da ONG Fashion Revolution Brasil, também reconhece que a moda sustentável é um grande desafio “porque depende de uma cultura de toda a sociedade”. Ela conta que a consciência global mudou a partir da tragédia do Rena Plaza, em 2013, em Bangladesh, quando o prédio, onde funcionavam várias oficinas de costura para marcas internacionais, ruiu matando mais de 370 das cerca de 3 mil pessoas que ali trabalhavam, em condições sub-humanas. “Este triste episodio fez a indústria da moda rever seus conceitos. Hoje, o movimento pela ética e responsabilidade social se espalha no mundo, graças à pressão dos consumidores. Aqui no Brasil já temos mais de 70 faculdades aliadas ao nosso projeto”, conclui Marina.

Caminho difícil

Ao final do encontro, algumas inquietações estimularam os participantes do Laboratório a prosseguirem na jornada pela sustentabilidade. Por exemplo: Como reduzir a produção têxtil no mundo ao mesmo tempo em que bilhões de pessoas necessitam se vestir? Como fabricar fios e tecidos sem produtos químicos, ou como integrar criação e a produção em busca de um design sustentável? E a precarização do trabalho nas oficinas de costura? Como coibir a exploração dos trabalhadores e ao mesmo tempo, vencer o desemprego em países pobres e emergentes? Será que os consumidores tão exigentes estão dispostos a pagar a conta da sustentabilidade?

Edmundo Lima, da Abvetex, comenta: “A indústria do vestuário no Brasil é muito complexa e pulverizada e 95% das 25 mil confecções são de pequenas e micros empresas. Neste setor também há muita informalidade por conta da burocracia e da alta carga tributária além de legislação trabalhista complexa. Reconhecemos tudo isso como grandes desafios a ser superados. Mas nos últimos anos, temos avançado na conscientização do setor. Hoje é o varejo que puxa a indústria e desta forma, acreditamos que atingiremos nosso objetivo”.

Amelia Malheiros, da Fundação Hering, conclui. “Haverá um dia em que sustentabilidade, assim como aconteceu com a qualidade, deixará de ser um diferencial e estará intrínseca no produto. É para isso que estamos trabalhando”.

Leia a matéria original em: Textilia

Leave a comment

O seu endereço de e-mail não será publicado.

PortugueseEnglishSpanish