A crise que assolou a economia brasileira e que afetou fortemente o comércio varejista nos anos de 2015 e 2016 levou muitas empresas a adotar “estratégias de sobrevivência”, principalmente como medida de autopreservação visando ao curto prazo, enquanto as táticas de médio e longo prazo ficaram numa posição secundária. Depois de dois anos de forte queda de vendas, o comércio varejista brasileiro voltou a crescer em 2017, com expansão estimada de 2,5%, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A expectativa para este ano é de uma aceleração no crescimento que pode atingir valores entre 4% e 5%, especialmente pautada em aspectos como a recuperação do crédito à pessoa física e a progressiva redução do desemprego.
Com a globalização, as novas tendências do mercado varejista detectadas nos países mais desenvolvidos também se fazem notar nos emergentes. Das 250 maiores empresas do mundo, 33 têm operações no Brasil. Por aqui, no entanto, as mudanças se dão em ritmo menos acentuado, uma vez que o uso da internet ainda não é tão abrangente como nos países desenvolvidos.
O processo de transformação do varejo mundial segue apoiado principalmente sob os ditames da evolução tecnológica, que afeta diretamente o comportamento dos consumidores. De acordo com Antonio Lanzana, presidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da FecomercioSP, o ponto determinante para que o Brasil acompanhe os países líderes do mercado varejista mundial está associado à implementação de recursos como aplicativos para mobile, redes sociais, realidade virtual, e-commerce e outros softwares de auxílio aos clientes. “Um exemplo é o do Magazine Luiza, que pretende ser uma empresa digital com pontos físicos. As vendas online representam quase um quarto de todo o faturamento da empresa. A plataforma de vendas e estoques é a mesma para os dois canais, assim como os centros de distribuição, logística de transportes e equipe no escritório. O mesmo caminhão que leva o estoque para uma loja pode entregar as compras feitas pelo site”, explica.
O fenômeno da multipolarização
Internacionalização é uma oportunidade e uma necessidade para o varejista brasileiro, enquanto o mercado doméstico vai atrair um número crescente de corporações globais, aumentando a competição
O e-commerce permite que os consumidores de diversas partes do mundo tenham acesso a uma infinidade de marcas com a possibilidade de comparar preços e sem abrir mão da qualidade, conveniência e serviços atrelados ao produto. O aumento de competitividade entre as empresas, principalmente impulsionado pelos meios digitais, é ponto de convergência entre as corporações.
De acordo com Marcos Gouvêa de Souza, diretor-geral da Consultoria GS& Gouvêa de Souza, na atualidade o conceito de varejo de valor é um dos fatores basilares de um fenômeno conhecido como multipolarização, já com expressiva presença nos Estados Unidos e na Europa. Na multipolarização, o foco de vendas é direcionado à oferta de preços mais baixos. No Brasil, os atacarejos são exemplos dessa prática: sua característica é de lojas visualmente despojadas, nas quais o principal atributo é o barateamento dos itens e o e-commerce representa um instrumento de grande impacto nas vendas.
Outro componente da multipolarização diz respeito à diferenciação baseada no binômio prestígio e exclusividade. Nesse patamar estão situadas as marcas de luxo, que prezam por um maior apelo emocional como forma de agregar valor ao produto. O terceiro vetor configura o poder das operações digitais que têm o maior crescimento mundial, ainda que não representem a maior parte das vendas totais em cada país. Traduzindo em números: na China, o digital representa 24% das vendas no varejo; na Coreia do Sul, o percentual chega a 18,5%; na Inglaterra, 15%; e nos Estados Unidos, 11%.
No Brasil, a fatia é de 4%, também em expansão. “Devemos considerar que o mercado varejista norte-americano é inegavelmente o maior e mais competitivo do mundo e que as principais inovações partem do varejo tradicional. Já o mercado chinês carrega como traço marcante uma grande aderência ao comércio digital, uma vez que seu varejo tradicional não é tão pujante quanto o dos Estados Unidos. Na Europa, países como França, Inglaterra e Itália têm uma maior representatividade na prática de um varejo orientado pela emoção, enquanto a Alemanha não obedece a esse padrão, privilegiando o varejo de valor devido ao comportamento mais pragmático de seus consumidores”, avalia Gouvêa de Souza.
Exemplos e desafios do Brasil
No contexto latino-americano, o mercado chileno pode ser considerado o mais maduro, consistente e moderno, o que se deve, em grande parte, a uma maior estabilidade econômica. No entanto, o cenário é dominado por um número reduzido de corporações chilenas e pela presença de companhias internacionais. No Brasil, os grupos internacionais respondem por 30% do varejo. A participação estrangeira e a globalização das empresas nacionais são crescentes.
Agilidade, flexibilidade e capacidade de adaptação são virtudes do mercado varejista brasileiro que podem ser consideradas referência mundial em razão da continuada instabilidade econômica do país. De acordo com Gouvêa de Souza, graças a essas intempéries, qualquer varejista brasileiro que opere no mercado internacional leva um diferencial competitivo muito forte: a capacidade de suportar a volatilidade de outros ambientes de negócios e a adaptabilidade para enfrentar desafios.
“Existe a necessidade da internacionalização do varejo brasileiro devido à lenta expansão do consumo doméstico. Mercados como Colômbia e Peru reúnem condições bastante favoráveis para a operação de empresas brasileiras. Secundariamente, o Uruguai e a Argentina também se apresentam como boas alternativas para a ampliação dos negócios”, considera.
Para Antonio Lanzana, da FecomércioSP, a precária infraestrutura do país dificulta enormemente a logística para a entrega de produtos de forma rápida e eficiente, como espera o consumidor. Essa é uma das razões que atrasam as transformações no mercado varejista brasileiro. Outros fatores, aponta Lanzana, são o nível de renda, a utilização tardia da internet e também a própria qualidade da internet. “As classes de menor poder aquisitivo têm seu ingresso na era digital postergada”, diz.
Já para Gouvêa de Souza, existe um “manicômio tributário” a ser revisto para dinamizar os negócios no varejo brasileiro, uma vez que há muitos itens burocráticos que dificultam a velocidade das negociações. Em sua visão, o mercado nacional poderia ser muito maior se houvesse uma expansão de crédito ao consumidor. “No Brasil, o crédito à pessoa física gira em torno de 25% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto em países onde as práticas varejistas se mostram mais maduras, esse índice pode variar de 50% a 100% do PIB”, explana.
No contexto mundial, há uma forte tendência de concentração das franquias de varejo no setor de serviços, como hotelaria, aluguel de carros e restaurantes. No Brasil, foi desenvolvida a competência de franquear operações de varejo em larga escala, prática que pode ser apontada como uma referência global, de acordo com Gouvêa de Souza.
Outra conquista brasileira diz respeito à gestão de pessoas. No mercado internacional, apesar do alto custo sobre funcionários, nem sempre o nível de serviços corresponde aos desejos dos clientes. Já o consumidor brasileiro conserva, em linhas gerais, a expectativa de um bom atendimento nas lojas.
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